Uma pesquisa liderada pela professora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (ICB/UFG) Rosane Garcia Collevatti, publicada no periódico científico Biological Conservation acende um alerta sobre a rápida perda do Cerrado, especialmente em áreas ainda pouco conhecidas pela ciência, como a região norte. O artigo aponta que atualmente as áreas mais ameaçadas do bioma são, contraditoriamente, as menos estudadas – um fenômeno que pode estar levando à extinção de espécies antes mesmo de serem registradas.
A pesquisa surgiu da constatação feita ao longo de mais de duas décadas de trabalho da pesquisadora. “Em muitas coletas, percebi que, ao retornar dois anos depois, a área simplesmente não existia mais. Isso acendeu o alerta de que estamos perdendo espécies antes mesmo de conhecê-las”, explica a professora. A experiência levou à constatação de que muitas regiões do Cerrado vinham sendo convertidas pela agricultura intensiva antes mesmo de serem adequadamente estudadas.
O trabalho baseou-se em um levantamento de dados da literatura científica, repositórios de teses e boletins técnicos de coletas botânicas no Cerrado, com o uso de ferramentas computacionais para sistematizar as informações. “A partir dessas informações, conseguimos mapear quais regiões do bioma foram bem ou mal amostradas e associar esses dados com o grau de preservação atual dessas áreas”, detalha Rosane.
A pesquisadora alerta que o resultado é preocupante: as regiões ao norte do bioma, especialmente partes do Maranhão, Piauí, norte da Bahia e Tocantins (Matopiba), concentram os maiores vazios de conhecimento sobre a flora e, paradoxalmente, são também as áreas mais afetadas pelo desmatamento nos últimos anos. Segundo ela, esse mapeamento é essencial, pois “esse tipo de estudo é fundamental para traçar estratégias de amostragem e financiamento em áreas prioritárias, além de sinalizar quais regiões devem ser preservadas com mais urgência”.
A “perda do desconhecido”, título do artigo publicado na Biological Conservation, evidencia a urgência de conhecer a região antes que as espécies desapareçam. “A visibilidade internacional aumenta as chances de que o estudo chegue a tomadores de decisão, que podem, a partir disso, priorizar investimentos e estratégias de conservação para áreas críticas do Cerrado”, afirma a coordenadora.
Padrões
O problema não se limita às plantas. Os pesquisadores agora expandem a mesma abordagem para outros grupos taxonômicos, como vertebrados e insetos, e vêm identificando padrões semelhantes de negligência científica, desconhecimento e degradação acelerada na região norte do Cerrado, reiterando a necessidade de ações de conservação amparadas por dados científicos.

A pesquisa visa apoiar futuras gerações de cientistas ao fornecer um mapeamento que oriente onde novos esforços de coleta e estudo devem ser concentrados. “A intenção é que novos pesquisadores usem esses dados para priorizar suas coletas em áreas onde o conhecimento ainda é escasso. Esperamos contribuir para que as próximas gerações de cientistas tenham um ponto de partida mais sólido”, comenta Rosane.
A pesquisa, iniciada em 2021, é fruto do projeto Lacunas de Conhecimento da Biodiversidade no Estado de Goiás (Lago), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg). O estudo também tem colaboração do Projeto Ecológico de Longa Duração (Peld) e do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) Biota Cerrado, financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A maioria dos autores do artigo é formada por pesquisadores e estudantes da UFG, com participação de uma pesquisa da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e bolsistas de pós-doutorado brasileiros que estão na Universidade de Oxford e na Universidade Justus na Alemanha.
Fonte e texto: Secretaria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás (Secom UFG).